Procuro-te para me apaziguar

Procuro-te para me perturbar. Cemitério.

E para indagar acerca do mistério
na verticalidade
face à terra preta e fria
que me albergará.
E não há remédio na morte.
Motim. Finitude. Passagem ao fim.
Nem na perda destes cabelos
unhas, olhos e carne.
Os ossos também.
Nem na miséria que me
dizimará até ser senão pó e ser nada.
Em ti cemitério,
o mármore branco já não o é
completamente
-tem listas pretas-
as velas esventradas repousam
ardidas, sombras esvanecidas
embrulhadas em copos de prata
e capas de alumínio.
Aprisionados em frascos vermelho sangue,
cheiros a cera, a redenção e a clamor.
E as flores nas jarras de plástico,
poucas as de vidro.
Flores que murcham depressa
junto às coroas que murcham jamais.
E os jazigos, os anjos quedos,
as abelhas que cercam os ramos,
testemunhas com cem anos.
E este aperto de medo
e o sinal da cruz
e o choro sem decoro
e a dúvida à dor
e a oração ao alto
no depósito. Morada. Esconderijo. Crematório,

Cemitério. Procuro-te para me apaziguar.